O NATAL E A DESOVA DA CULPA CRISTÃ
De novo, outra vez, natal e os
extremos das vias norte de Brasília ficam infestados por “acampamentos de
pobres”. E é uma coisa imunda.
Pobres desse naipe gostam da
imundície, do lixo mal-cheiroso quando nunca se sabe se mais cheira mal o pobre
do lixo ou o lixo do pobre. Quentinhas vazias, sacolas plásticas, comida
estragada, crianças sujas e um sempiterno cachorro magro. Amontoado de coisas
escuras, barracas de lona suja, merda e alimentos no mesmo local. Esse pobre
não tem nojo. Nojo é coisa de outra classe de bichos.
Escandalosamente acampados nas
beiras dos meio-fios, debaixo de árvores. Tudo um único monturo de coisas. Gente,
bicho e merda no meio do lixo. E como pobre fabrica lixo!
Horrorizados comigo, Senhores?
Calma, ainda tem mais para horrorizá-los.
Na outra ponta os shoppings
centers e supermercados. Escandalosamente limpos, bem-cheirosos e fartamente
iluminados e toda uma gama de outros bichos com seus carros e suas carteiras
com dinheiro.
Multidões atarefadas em mais
fausto para as suas ceias e os seus natais e os presentes, e os amigos ocultos
e os presentinhos para os filhos comprarem a boa vontade dos professores que os
deixaram de recuperação. Presentes para o chefe nojento. Presentes para as
sogras e os cunhados e mais, e muito mais, para si mesmos nas lojas iluminadas
cada vez mais que vendem bolsas de valor intrínseco módico por exorbitâncias
que fazem esses seres se sentirem mais do que os outros. Seres que depositam
suas merdas em privadas limpas, claro, mas que merdam do mesmíssimo jeito que
os outros bichos.
Por um Mistral qualquer essa
gente é tomada por uma sentimentalidade cristã e, entre os perus de natal,
vinhos, frutas, bacalhaus, tênderes e chésteres – os quais “colhem nas gôndolas
sem lhes notar muito o preço – para os seus festins – acham um pequeno tempo
para chegar à seção de cestas básicas, quando procuram a mais barata, compram
uma meia dúzia delas e, na volta para suas casas, passam nos monturos de lixo
de gente e merda e “praticam” a caridade cristã, desovando lá as cestas básicas
baratas, sem laço de fita e sem papel de presente.
E ali desovam também toda a
sua culpa cristã e vão para os seus lares com a consciência apaziguada porque
cumpriram a solidariedade humana.
E mais, Senhores, assim também
fazem os padres, os pastores, as igrejas que passam o ano inteiro pedindo
polpudos dízimos e doações e, no natal, fazem um bazarzinho com coisinhas
doadas pelas senhôras (isso mesmo, com som fechado) cristãs para arrecadar mais
fundos para compra de cestas básicas baratinhas para entuchar nos pobres e,
boca abaixo, fazer com que eles engulam essa culpa que a pobreza deles causa
nos abastados.
Enquanto isso... peru, bom
vinho, frutas frescas e secas são engolidos com enorme prazer por essa gente,
já agora sem nenhuma culpa.
Eu pergunto (sempre eu
pergunto) o que seria mais imundo: pedir safadamente esmolas nas vias públicas
ou dar esmolas, safadamente, nas vias públicas, na época do Natal?