sexta-feira, 28 de maio de 2010

Eu Lobo


Hoje a Lua me pediu para namorar.

Olhei para ela e uivei o meu uivo mais antigo. De mim saiu um lobo enorme. Plácido. Confiante... prateado como os meus cabelos e reluziu mais ainda sob a prata da lua. Imenso. Peito forte. Focinho elegante afinado. Dentes graves. Distintos. Nobres... Alma de Rei e sexo de guerreiro.

A Lua me sorriu e me convidou. Deitou-se nas nuvens e, tentadora, mostrou a geografia do seu sexo. Esticou sedutora a cabeça para trás, serpenteou sua coluna dorsal revelando suas nádegas carnudas, escondendo, sutil e lânguida, a genitália. As coxas, mais prateadas, envolvidas pelas cortinas de diáfanas nuvens e eu cedi.

Deitei-me com ela. A Lua e o Lobo. Fizeram sexo. Fizeram amor e agora estamos um, olhando para o outro, satisfeitos, refeitos de nós mesmos. Lua e Lobo.

O Lobo em mim saciou-se e viciou-se novamente nessas coisas antigas e já quase esquecidas e agora, anseia, farejando, outras luas. Outras carnes para fazer sexo e amor.

Ando, nos escuros das árvores que permitem laivos de lua nos chãos, à cata de amores. Que venham os amores. Que venham os fervores, os ardores e que se entreguem para mim. Que saciem as minhas fomes habitantes nos meus dentes e eu retribuirei com meu peito forte e minha cor de prata.

De ontem em diante as minhas ofertas são afilhadas da Lua. Madrinha fada dos amores que me virão e que nos farão, um ao outro, saciados.

terça-feira, 25 de maio de 2010

Poste?


gente com voz empostada é gente que engoliu um poste?
Tem até uma estória da HH, da mulher que engasgou com a banana e a todos pareceu morta. Uns até disseram que ela morreu porque engoliu aquilo... aquela coisa do homem. Bobagem! foi apenas um engasgo com a banana.

Voltando ao poste... o que dizer do poste?.. Sabem o quê mais? Quem me dera engasgar com um!

sábado, 22 de maio de 2010

frutas




frutas

falos

faces

doces

mortas

curtas

elásticas

ilícitas

sobrepostas

arrefecidas

arrematadas

no leilão da noite...

Eu, hein?

terça-feira, 18 de maio de 2010

Ato e Negação do Fato


Você pode negar um ato qualquer diante das leis civis. Você provar que não cometeu o fato, mesmo diante das evidências. Sutis ou gritantes. Você pode forjar provas da sua inocência. Você pode convencer a todo mundo que o ato não existiu ou que, pelo menos, você não o cometeu. Você pode até confirmá-lo, alegando inocência. Você pode emocionar toda gente, convencendo-a das suas intenções. Você pode minorar a importância dele diante de todos. Você pode convencer que pretendia o contrário de um ato nefasto, diante da crença, da parcialidade e emotividade dos homens. Mas diante da bruxaria, nunca. Você o fez? Jamais conseguirá negá-lo, minorá-lo ou desmistificá-lo. Qualquer ato faz parte do todo e o todo é inamovível em toda a sua inteireza.

segunda-feira, 10 de maio de 2010

Mulheres ressentidas


O Caca fala, no seu tom sábio habitual, que nada há pior do que mulher ressentida. Que elas são capazes do mais absoluto inimaginável. Sempre achei que ele tem toda razão (inclusive tenho nítida impressão que Dilma é uma dessas ressentidas... que a proteção divina nos seja favorável...)

Mas voltando ao assunto, sempre dei razão a ele e hoje eu fui vítima de uma dessas mulheres. Já lhes conto, Senhores. Já lhes conto...

Estávamos no Beirute, Billy Helder e eu e junto conosco, o Volupto, que é a minha jibóia. Normal. Já fomos lá diversas vezes.

Eu sou, sim, muito louco, mas não o bastante para levar uma serpente a um lugar qualquer, caso não a conhecesse e soubesse que ele é inofensiva, dentro dos limites do controlável.

Não, Senhores, não me venham com as suas chorumelas habituais dizendo que animal é animal e jamais se sabe do instinto deles... gato também é animal, cachorro também, pit bulls também e todos atacam quando se sentem ameaçados... e para o seu governo, a mordida de um gato é mais ofensiva do que a de uma jibóia.

O Volupto é delicado, amoroso e avisa sempre – infalivelmente – quando não quer ser manipulado. Faz parte da natureza das jibóias. E ele é apenas um bebê de 8 meses, com os seus poucos 1 metro e meio.

Pois bem, quase todas as poucas pessoas que estavam no Beirute, hoje, se encantaram, pediram para pegar, para tocar, para tirar fotos... estávamos felizes.

De repente, entra uma criatura no Beirute que, sem pensar, eu disse ao Billi, Meu Deus, que mulher feia!

Uma criatura muito magra, mas sabem magra? Pois é, mais do que isso. A pele engelhada sobre nenhuma massa muscular. Mal vestida – no estilo petista de ser feio e mal vestido – o cabelo pintado caseiramente com tinta barata comprada em supermercado, estilo cor de cocô empastado; cortado como crina de cavalo... a pele do rosto muito manchada por melasmas intensos; nariz agudo e fino, mãos como garras de ave de rapina e, assim que se sentou deitou a beber cerveja, de um modo vulgar e nojento... atirou-se no homem que estava bebendo sozinho, na mesa ao lado dela, lendo Brecht; esfaimada... quase possível ver a baba escorrendo-se-lhe pelas rugas do pescoço.

Claro, o homem respondeu três palavras e se retirou para outra mesa.

Desculpem as feias, mas beleza é fundamental, já disse, há tempos, Vinicius de Moraes.

E eu peço desculpas mais ainda porque as feias me metem pânico.

De repente, entram no bar, três policiais militares, se aproximam de mim e me fazem perguntas. Desafortunadamente eu havia deixado os documentos de identidade do Volupto em minha casa. Mas os policiais foram extremamente gentis e tentaram resolver por ali mesmo. A Polícia Militar Florestal foi acionada e pouco depois, estaciona o camburão na porta do Beirute e descem mais três militares.

Providenciei que o Billi fosse à minha casa buscar os documentos do menino silvestre e os 6 policiais militares, o Volupto e eu ficamos aguardando, em conversa gostosa e cortês.

Eis que de repente, aparece a mulher feia aos gritos, exigindo que os policiais me prendessem porque ali era lugar de família e não de bicho. Minha vontade imediata foi perguntar a ela o que fazia, então, ali, uma cadela. Contive-me. Tive que engolir em seco. Como é sabido, mulheres feias são ressentidas e mulheres ressentidas são capazes do imponderável. Ela havia acionado a Polícia!

Um dos policiais disse a ela que o problema já estava sendo resolvido e que aguardasse.

A mulher feia, imensamente feia, torturantemente feia voltou à sua cerveja, sem muita convicção.

Mais alguns minutos, volta o vômito das furnas, já mal se mantendo em pé, com o copo de cerveja naquilo que deveria ser uma mão e insiste que os policias me prendam porque eu estivera com a cobra no parquinho do Beirute, um perigo para as crianças... 11 horas da noite, Senhores...e a única criança que apareceu nessa hora, estava com ela... parece que não é permitido crianças menores ficarem em bares e muito menos depois das 20 horas... mas relevemos, mulheres feias não pensam.

Um dos policiais a puxou para o lado e disse, já mais severo: Senhora, nós conhecemos o nosso serviço e o que temos que fazer. Acalme-se e volte para a sua mesa.

Virou-se para mim e disse, em tom confidencial: esta mulher é conhecida nossa de longa data, arma encrenca por tudo e por nada.

Inquieta, talvez por eu ser homem – toda mulher feia detesta os homens e vira feminista, porque, a não ser aqueles em situação de desespero, nenhum aceita ficar com uma criatura destas e brandindo mais ainda o seu copo vulgar de cerveja, disse que era jornalista e que ia fazer uma matéria denunciando que havia um homem com uma cobra num lugar de família (eu ainda insisto, o que faria lá uma cadela, então?) e que a polícia não fazia nada.

Um dos policiais, mais gentil ainda me disse, vamos sair daqui? Você se incomoda? Esta mulher vai acabar criando mais confusão...

Eu pergunte se eles se incomodavam em me acompanhar até a minha casa para pegar a Identidade do Volupto, já que o Billy havia ligado, informando dificuldades para localizá-la.

Mais que prontamente disseram que sim, que resolvêssemos da melhor forma.

Foi aí que eu me lembrei que o Billy tinha ido no meu carro. Perguntei, de chofre, posso ir no camburão com vocês? Estou sem carro.

Todos caíram numa gargalhada dizendo: é a primeira vez que a gente vê alguém pedindo para entrar no camburão.

Viemos até aqui, a identidade foi devidamente mostrada, ficamos amigos e trocamos informações sobre animais silvestres, medos e confusões.

Eu estou acabando de digitar este texto. Volupto dorme o sono dos justos e a mulher feia deve estar lá ainda, remoendo os seus ressentimentos.

Uma pergunta eu gostaria de ter feito a ela. Juro. É sincera!

Por que ela resolveu brigar comigo, que sou bonito, bem sucedido, feliz, amado, rico, desejado? Eu não tenho nada com isso, pelo contrário. Eu sou frontalmente contra a feiúra. Mas por que ela não vai reclamar com Deus que a fez assim tão mal feita?

Ora, bolas!

quarta-feira, 5 de maio de 2010

O isqueiro lilás, a corda de bruxa e a cura


A Circe talvez deboche da longuidão deste texto. Mas ela ainda não atinou que um texto só não pode ser longo quando as idéias dele são curtas.

Eu estava sem muita vontade de receber a minha massagem hoje. Aliás, desde ontem que eu não tive vontade.

Sou o protegido mais querido de todos os deuses e a coisa se fez, juntando-se em pedaços e armações e eu acabei tendo que recebê-la: o Billy Helder – irmão de alma e de espírito – um dos meus (a quem estou voltando para o seio) chega hoje à Casa de Mãe Joana com duas mãos fechadas, para que eu escolhesse uma e ganhasse um presente.

Bati numa e estava dentro dela um isqueirinho lilás. Um mimo do Billy para mim. Na outra, um isqueirinho amarelo que ficou com ele, já que eu tinha ganhado o lilás. Imediatamente eu disse façamos um feitiço nos isqueiros. Lilás é cura e amarelo é prosperidade.

Fizemos os feitiços, cada um o seu.

Eu já tinha o meu isqueiro branco enfeitiçado para a paz e a benevolência. Claro que o indicado era continuar usando-o até se esgotar. Mas – como sempre, há um mas – do nada, perguntei ao Billy, se já era hora de eu usar o meu lilás, de cura. O Billy não respondeu e claro, quem cala, consente, acendi o meu primeiro cigarro com o isqueiro de cura.

Passam-se as horas e, coincidentemente, o Billy passou todo o tempo tecendo um crochet com cordão lilás... tinha saído da Casa e ido ao armarinho vizinho comprar o material. O armarinho estava fechado. Prestem bem atenção, Senhores. O armarinho estava fechado. Fechara cedo, já que está por encerrar as suas atividades e já não tem mais quase nada para vender... e o meu irmão de alma não comprou o material que desejava. Mas... sempre há muitos mas, o proprietário do armarinho voltou, já depois de encerrado o expediente e o Billy o viu, de longe e foi atrás. Comprou o material e pôs-se imediatamente a tecer alguma coisa que talvez pudesse vir a ser um cachecol. Não importava a futura identidade da peça. Importava tecer. Corda de Bruxa com cordão lilás de cura? Circe? O Billy não sabe estas coisas de bruxa... ora, o Billy estava só tecendo qualquer coisa que poderia vir a ser um cachecol ou uma colcha ou mesmo vestidinho para botijão de gás! Ou não.

Passam-se mais horas e é chegada a da minha massagem. Vontade de ligar para o Alex e dizer a ele, como ontem, que adiássemos para amanhã, mas – como são tantos os mas! - o mesmo Billy tecedor me diz que tem que ir embora porque trabalharia cedo, amanhã.

Imediatamente eu disse então que seja agora porque vou para a massagem,

Vim.

Alex tem feito uma cura milagrosa nos meus músculos e tendões e ossos e dores. Realmente monumental.

Mas... (de novo? Outro mas?) o Alex chegou com uma novidade. Iria fazer uma massagem diferente, ayurvédica, que começa pela cabeça! (Adoro!)

As mãos do Alex na minha face e cabeça e pescoço e, sem pedir licença ou avisar qualquer coisa, me vem Isis...Isis? Eu posso dizer que, mais do que a reconstituição do corpo de Osíris e a feitura de um pinto de ouro para ele, eu sei nada sobre ela.

Meninos! Eu vi. A Moça chega muito perto de meu rosto e só posso vislumbrar a parte do seu rosto que contém os olhos. Olhos preocupados.

Ela estava em cores intensas de ouro rajado de ouro mais escuro em um cenário ou local intensamente dourado, nos dois tons.

Pergunto a ela, com a mesma intimidade que sempre me dou no trato com os deuses e na minha habitual arrogância pueril, o que ela estaria fazendo aqui e que quem mostra os olhos é Horus e não ela! Óbvio que, como toda mãe que olha para as perguntas pueris dos bebês, não me deu a menor importância. E ao redor dela, em pontos esparsos no cenário dela, apareceram, como se nascessem, pontos azuis turquesa. Ah! Turquesa! A pedra da cura, das dores de perdas e que é completamente quebrada e reajuntada. Entendi o que a moça veio reger: o reajuntamento dos meus pedaços e, quem sabe, um falo novo para mim?

Ao contrário do que acontece normalmente, eu não dormi durante a massagem e fiquei vendo o Alex ser o instrumento de Isis.

Deitado, de costas, muito atinado com o trabalho dele e de como as ondas de energia se alteravam e se reorganizavam, comecei a sentir que o Alex estava com respiração diferente. Ele nunca estivera assim antes. Não sabia se isso fazia ou não parte da técnica ayurvédica.

De repente Alex me pergunta o que significa o lado direito. Eu respondo que é o expressivo, o mental, o ativo e ele se altera e diz, cara, seu lado direito está foda!

Pede-me que eu me vire, ventre para baixo, para continuar o processo massoterápico.

Quando eu me viro, Senhores, inacreditável! Milhares e milhares e muitos milhares de escaravelhos, baratas e escorpiões brancos e negros ocupavam todo o meu dorso.

Nada falei e entrei numa espécie de temor fóbico, como se fora perder qualquer esperança. Temi que Alex não conseguisse remover tudo aquilo e, nesse momento, Alex passa a ser tomado por um frenesi intenso e, em vez de compressão com mão espalmada, habitual de massagens, crispa os dedos e como se quisesse remover muita coisa ao mesmo tempo, como se escavasse buraco na areia, parte do meu pescoço para baixo, respiração extremamente alterada, freneticamente puxando coisas. Temi mais um segundo. Ele não conseguiria remover tudo aquilo e ambos, ele e eu, já principiáríamos a desaparecer naquela areia movediça de escorpiões, baratas e escaravelhos. Quase me entreguei.

No instante imediatamente seguinte, aos crispar os dedos na minha nuca, no lugar onde seus dedos passavam, a marca que deixavam era amarela e, rapidamente os bichos começaram a ser removidos. Uma cor verde turquesa começou a se instalar suavemente no espaço deixado.

Alex passou das costas para as pernas e em estado de transe quase, removia aquele lixo pelas pernas e pés.

Parou ofegante. Muito ofegante e me perguntou: Gê, você está bem?

Eu ri com a alegria das crianças e respondi melhor que você.

Nós não trocamos uma só palavra além da “seu lado direito está foda”, durante a massagem, embora tenhamos tido absoluta comunhão no processo da expulsão dos escaravelhos, baratas e escorpiões que você mandou para mim.

Bruxinha estúpida! Como as bruxinhas além de pobres, feias, mal amadas e desgraçadas são estúpidas!

E você sabe que o você que estou falando é você mesma! (no feminino, apesar de que uma bichinha donzela esteja envolvida... Mulher feia, mal amada e bichinha donzela é tudo uma só e única coisa: ressentido fracasso!)

Um daqueles escorpiões foi, devidamente, preservado e instalado onde você jamais saberá. A não ser quando a primeira metástase for identificada. Será tarde. Já é metástase!

domingo, 2 de maio de 2010

E Então o Anjo falou...


Nesse fim de semana dois convites me vieram: trabalhar em Pirinópolis com as minhas leituras de tarô ou ir para a Chapada nadar nas cachoeiras.

Trabalhar no fim de semana, depois de uma semana passada cheiíssima de trabalho aqui mesmo?

Ir para a Chapada para a festa de bruxas na Lua Cheia junto com Narciza e onde eu encontraria também Amanda?

Preciso fazer dinheiro. É mais premente agora. Então, anime-se, Gê. O dever o chama!

Tarde cheia de consulentes. Alegria de ter sido canal eficiente para seres que buscavam uma orientação.

Jantar de caldo de abóbora com pimenta rosa e ervas. Tudo normal como convinha. Amigos carinhosos, os sorrisos de Jeanne. O olhar forte da Gisela (eu tenho uma amiga com o forte nome de Gisela Eleonora, a dona do olhar forte).

Mas deixem estar que, na ida, uma coisa qualquer me disse que eu poderia (ou deveria estar preparado para ficar mais feliz... e então eu sonhei aquelas coisas que me trariam felicidade a mais e que, por natureza, deveria ser diferente da felicidade que venho sentindo a cada hora do dia...)

Recostado no ombro liso e oloroso da Gisela eis que, ao levantar o olhar, eu vejo um ser alado. Acabara de pousar e recolher as asas e ainda as ajeitava quando eu o vi.

Lindo! Estupendo! Normal e natural como convém a um anjo de verdade que acaba de recolher as asas. Peitoral forte, aberto, enorme como convém a um anjo.

Costas largas, muito largas como convém a um homem.

Fiquei do meu tamanho exato como convém a uma criatura que se lhe é dada a oportunidade de ver um anjo.

Rosto de anjo. Pele de anjo, belíssimo e com serena luz verde. Provavelmente tenha sido pintado por Michelangelo.

Maxilar quadrado como convém a qualquer virilidade. Barba cerrada, muito cerrada, por fazer há dois dias terrenos – talvez já estivesse na Terra há dois dias e só tenha usado as asas para voar de Piri até lá, quem saberia?

Olhos de um verde água insustentável e que, como explicar, o que seriam dois olhos doadores? Olhos que não apenas olham e vêem. Doam também. Doam verdes para a alma que miram.

Perfil de cabeça altaneira, grande, encimada por umas volutas doces de cabelos na cor da terra fresca e que se derramavam discretamente sobre uma testa imponente como uma parede, que começava fina e resoluta em cima do nariz e se ampliava para cima e para os lados como um elmo de guerreiro, protegido e protetor.

Anjo homem com a boca mais sinuosa que o mais destemido e encorajado diabo jamais conseguiu desenhar. Boca de alma. Boca de internos... que quando se abre em sorrisos, devora todos os pecados que alguém ouse ter em fantasias com ela e assim mesmo, mastiga os pecados com a puerilidade dos que são. A puerilidade que somente a Verdade é capaz de ter. O homem-anjo-diabo, enquanto mora na Terra, é yogue e estuda o Vedanta e, quando eu disse a ele que cultuo Kali e que, como todo mundo, também cultuo Ganesh e Lakshmi , sentado ao meu lado, tomando o mesmo caldo de abóbora me pergunta, candidamente – eu digo candidamente, Senhores, e não sei se estou sendo completo nessa expressão, mas me falta palavra mais capacitada – será que todo mundo cultua mesmo Lakshmi, porque Lakshmi é doação e ninguém está muito preocupado em doar...

Deusa! Um anjo também faz as mesmas perguntas que eu faço!

E, na mais ingênua, sincera e despojada humildade ele me diz que sabe pouco, muito pouco sobre kali porque ele estuda o Vedanta e o Vedanta tem dois caminhos, o conhecimento das deidades e o autoconhecimento e ele preferira o segundo caminho!

Outra vez a minha alma se alarga, se aloja em si mesma e se projeta enorme: que sentido há em conhecer a deidade, qualquer que seja, antes de conhecer a si mesmo?

Senti que era hora de perdoar. Perdoar e compreender a multitude de oportunidades que ambos os caminhos dão e que, na escolha de um ou de outro, o que importa é a escolha que eu faço. Mais uma vez me contemplei com a certeza de que não estou tomado pela insanidade.

Lua cheia no céu. Lua de Maio. Uma fogueira e o céu.

O anjo tira, reverente, um harmônio hindu da caixa, fecha os olhos e sua potente mão começa a inflar o fole e, no silêncio da noite que se fez eterna em um momento, entoa o Gayatri Mantra...

E a voz que entoava não saía da sua boca para os céus...ela vinha dos céus e se alojava na sua boca...

Fechei os olhos, olhei para mim, olhei para a estante onde guardo os meus sentimentos, mirei uns, saquei-os e os inflei; aqueles do perdão e da compreensão.