D Bolota e o Segredo da Árvore
Encantada (direção de Catarina Accioly e William Ferreira, sobre texto de
Ronaldo Guedes – Ronaldo D’Oxum) traz diversos segredos que a maioria dos
observadores críticos parece não ver ou se recusar a ver: a linguagem que
sugere, mas não impõe. Ela permite que cada um a receba e se deixe transformar
(ou não) conforme suas experiências e suas reflexões particulares.
O texto trata de assunto
religioso. E o trata sem praticar proselitismo como o faz a maioria de
religiosos e líderes. Trata do tema da mesma forma que as crianças tratam as
coisas, sem moral, sem maniqueísmo, apenas como observadores ávidos por
experiências. E, belíssimo, trata de assunto espiritual do nosso romançal, da
nossa cultura ancestral, das nossas origens.
Comparando com outro trabalho
que está em cartaz na cidade, da dupla Neio e Nanda (que não vi e não me
interesso muito em ver) parece que as nossas tradições são coisa de menos
importância ou que o produto estrangeiro, por pior que seja, é sempre melhor do
que o nosso.
O tema de Abalabu é de uma
beleza cristalina, singelamente descrito e singelo aqui,quero registrar como
essencial, puro, sutil. O vício de intelectualizar as coisas simples na
tentativa de enfeitá-las para lhes emprestar maior significância é coisa de
humanos. Só os anjos e os deuses conseguem ser profundos e diretos, exatamente
porque não prescindem da pureza sem artifícios.
O cenário, uma aparente
desordem de cordas em cores, não se propõe a repetir a forma dos objetos, ele
sugere. E faz muito tempo que os impressionistas franceses demonstraram que
quem constrói a forma é a retina do observador. Que bom que essa aparente desordem
de cordas me permitiu “ver” uma floresta e uma enorme árvore, exigindo que a
minha retina e o meu cérebro construíssem, de maneira única e particular, a
“minha floresta e a minha árvore”. Deixei de ser um observador passivo diante
de um cartão postal para ter o prazer de ser o criador da paisagem onde o texto
se desenrolava. E tenho a mais nítida certeza que o mesmo aconteceu com as
crianças. As crianças livres não precisam de uma árvore realista para enxergar
uma árvore... embora a maioria dos papais e dos críticos as repreendam e tentam
orientá-las para que desenhem uma árvore como “é uma árvore”! Atenção, papais e
críticos, há quase 200 anos Gauguin afirmou que “a árvore só é verde porque o
primeiro pintor a viu verde” e se permitiu pintar uma vaca vermelha em uma de
suas paisagens...
Miriam Virna é uma das poucas
atrizes brasilienses que têm a personagem no corpo inteiro. (faz-me lembrar
Deborah Bloch). Cada ictus, cada esgar, cada terminação corporal parece sair de
um centro da personagem e não só do cérebro da atriz. A fala dita pela boca e o
sentido completado pelo corpo dão um prazer enorme ao espectador. Não há um só
movimento, por mais mínimo que seja, que não pertença à personagem e ao texto.
E o melhor, mesmo as caratonhas não caem, jamais, no ridículo do teatro
infantil comum da cidade: cuja fala é sempre tonitroante como se criança fosse
um ser surdo; nem na entonação infantilóide como se debilidade metal e infância
fossem coisas inseparáveis.
O figurino das 4 crianças é
encantador! Quem teve filhos, ou sobrinhos ou dedicou alguns minutos que fossem
para observar – sem crítica – uma criança, sabe que um pedaço de pano vira uma
capa de super-herói, a mais perfeita e eficiente; uma bicicleta é uma nave
intergalática e um tapete amarelo sempre foi um rio dourado!
A utilização de diversas
mídias como se crianças as tivessem utilizado sem a pretensão do acerto e da
correção típicas dos técnicos adultos é absolutamente envolvente. Você, adulto,
fica perdido entre os limites de cada uma, exatamente como as crianças que não
necessitam explicações lógicas.
E ainda há muita coisa
agradável a ser dita, mas textos longos não são lidos (!!!).
Se você já se esqueceu de como
é ser criança, não vá assistir a essa peça. Ela não vai lhe dizer nada e você
vai se dar ares e empostações e vai falar mal. Mas se ainda se lembra, sente-se
junto às crianças da plateia e se deixe tomar pela pureza cristalina, o não
juízo. Você vai sair de lá encantado e comovido. Vai lamentar talvez, um pouco,
ter crescido tanto.
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