O papo tá,
aqui, rolando solto, mas como é convenção nossa, do Sávio e eu, papo de boteco
tem que ser em boteco, vamos nós para o Beirute! Ele já foi à frente, no carro
dele e eu não pude perder a chance de escrever uma coisa interessante
que ele me contou.
Disse ele que,
certa vez, uma amiga de um companheiro dele, daquelas que já dão sinais claros
de carreirismo na primeira vez que te encontram, o convidou para comer um escondidinho
na casa dela, num dia de semana, entre um turno e outro do trabalho.
Segundo ele, a
moça em questão, não era negra, nem chegava a ser mulata, mas tinha o cabelo
bem enrolado, pixaim, mesmo e que o esticava a força de reza-brava e chapinha,
todos os dias, tingindo umas mechas de loiro (eu já vi tudo e, claro, revirei
meus olhos do alto das minhas conclusões automáticas e instantâneas), o que,
certamente dava a ela uma sensação de brancura.
E com a sua
mesma cara de quem não formula nada a respeito e que só se utiliza desses dados
para reflexão, continuou:
- A moça me
convidou para esse almoço porque, um dia, eu comentei que adorava escondidinho
e fui. Com a cara e a roupa do dia, sempre com barba por fazer (a cara e a
roupa!), cheguei, o apartamento era miúdo, mas com uma tal exuberância de
móveis enormes que o “passeio” (lugar para se locomover, explica ele) era quase
inexistente. Você ficava em sérias dúvidas se aquilo era para impedir a
locomoção ou se servia como obstáculos, a guisa das corridas.
- A sala de
jantar tinha 3mX3m e abarcava uma mesa com tampo de vidro de 1.20mX1,20m, 6
cadeiras de espaldar alto, completamente revestidas de branco e, por sobre a
mesa, um tecido tipo adamascado, cor ouro velho, meticulosamente arrumado para
parecer que tinha sido, assim, indiferentemente, jogado ali, sobre ela... e
ainda, no centro dela -(arregalou os olhos para falar) um castiçal modernoso,
de 6 braços, com, mais ou menos, 90 cm de altura!
- Me pareceu
que o pobre do castiçal se encurvava um pouco para caber entre a mesa e o teto!
– fala com certa comedida contrição.
- Aí, moça da
casa, mãe da moça da casa, 2 filhas da moça da casa, o filho da mesma e eu à
mesa, eis que a doméstica entra com o escondinho!
Para um
segundo, se apruma na cadeira:
- Cara, foi aí
que eu notei que a moça tinha descido toda a prataria da casa para o almoço. Meu
prato repousava sobre um sousplat
prateado enorme. Todo mundo também tinha os sousplats
iguais, os talheres eram (ou imitavam) prata, o réchaud era de prata, os suportes para o pirex eram de prata! Foi
aí que eu percebi que eu estava muito constrangido e sem lugar para pôr os
cotovelos porque os sousplats ocupavam tudo! Bicho! Copos de cristal, dois
tamanhos, de água e de vinho!
Cruza os braços que já estavam a
ponto de virarem asas, volta à calma e diz conformado:
- A moça deve
ter pensado, nossa! Como estou impressionando bem! Como estou fazendo figura
boa! e eu, porra, pensando essa moça desceu a prataria para servir o
escondidinho, porque ele merece? Essa moça desceu a prataria para mim porque eu
mereço ou porque ela me pensa pior ou melhor do que sou para tentar me
impressionar ou me mostrar o quanto é maior que eu?
- Mas e...?
pergunto eu.
- Uai, eu
imagino que a moça tenha querido demonstrar o requinte dela...
-E...?
insisto.
- Não sei. Mas
uma coisa me ficou – conclui – na minha casa eu não tenho prata, nem panelas
direito eu tenho e os meus copos são aqueles que ficam depois que você consome
o requeijão, mas o meu requinte está no carinho com que recebo meus amigos para
comer. O requinte de servi-los como se serve a uma divindade. Como um Deus serve
a outro Deus, sem parcimônia e sem subserviência. Namastê mesmo!
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