terça-feira, 29 de setembro de 2009

A asa ida de mim

Só um Cronos muito invejoso das minhas asas poderia ter do par arrancado uma... Asa que se foi, mirando as próprias costas, na busca do meu olhar. Tanto que queria ficar em mim.

Hoje sou homem partido de minhas asas e não encontro sossego nem nas luas grandes, nem nas mortas e mais, ando à cata dela, rimando meus passos com as ondas do ar, este que me impulsiona, sempre às tontas. Ando à cata dos meus dedos e de todos os dedos que se foram acompanhando a minha outra asa.

Quem suporta uma face tão doída de uma dor que se alonga, arrasta e me puxa mãe a dentro. Quem pode lamentar a sorte de estar na Terra, no útero dela, queimado de uma saudade tão longa, tão impiedosa?
Nada sei de outras intendências que adotei ou me impuseram. Não se aplicam mais à minha atual vivez. Tão anacrônica!

Se eu pudesse socorrer a mim mesmo, dar bálsamo à minha nuca tensa de tanto olhar o fio do horizonte, entre mudas árvores e fumaças que se misturam, eu chegaria a mim e me deitaria entre as agulhas da relva e tornaria, pra mim mesmo o olhar, o mais terno que pudesse ter e diria: vai. Alcança a tua paz, mas não te perturbes porque te falta a asa.

E eu me olharia com o mais lasso olhar e penderia o sobrolho a uma esquerda/passado e me dispensaria de chorar. Voltaria, depois, cansado a mira para mim mesmo e me dispensaria de falar porque já não me fazem mais sentido as falas.

Não guardaria para mim o sentimento da derrota porque jamais houve a batalha. Só uma asa arrancada a golpes de foice: um só golpe e, mudo, permaneço na pergunta. Onde andarão as ternas penas brancas da minha branca asa? Mortas nas águas do rio do pai? Vivas no útero escuro da mãe? Voando nas ondas do vento ou adormecidas no sangue da emoção, no sangue do que habita o meu mais distante?

E desnudo rouco os meus braços de asa decapitados e desfiro uma leva de indagações, setas fálicas, de esquálida matéria em direção aos céus... mas o que importa o céu se a minha asa, em mim, era o meu céu pessoal?

Devo seguir os meus passos e encontrar a minha própria origem?

Nada mais quero entender desde que me falta uma, a mais complementar das minhas asas e presumo que a longuidão desta planície pode margear, costeando todo o mar da minha mais extensa incompreensão, até alcançar as rodas do carro...

Alcançaria eu roubar a dele foice e transformá-la em obelisco, marca fálica da minha vitória?
Poderei eu atinar com esta presunção?

Imensa desventura esta a de inventar palavras para esconder a minha verdade!

Brasília, 05 de abril de 2006.

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