domingo, 2 de maio de 2010

E Então o Anjo falou...


Nesse fim de semana dois convites me vieram: trabalhar em Pirinópolis com as minhas leituras de tarô ou ir para a Chapada nadar nas cachoeiras.

Trabalhar no fim de semana, depois de uma semana passada cheiíssima de trabalho aqui mesmo?

Ir para a Chapada para a festa de bruxas na Lua Cheia junto com Narciza e onde eu encontraria também Amanda?

Preciso fazer dinheiro. É mais premente agora. Então, anime-se, Gê. O dever o chama!

Tarde cheia de consulentes. Alegria de ter sido canal eficiente para seres que buscavam uma orientação.

Jantar de caldo de abóbora com pimenta rosa e ervas. Tudo normal como convinha. Amigos carinhosos, os sorrisos de Jeanne. O olhar forte da Gisela (eu tenho uma amiga com o forte nome de Gisela Eleonora, a dona do olhar forte).

Mas deixem estar que, na ida, uma coisa qualquer me disse que eu poderia (ou deveria estar preparado para ficar mais feliz... e então eu sonhei aquelas coisas que me trariam felicidade a mais e que, por natureza, deveria ser diferente da felicidade que venho sentindo a cada hora do dia...)

Recostado no ombro liso e oloroso da Gisela eis que, ao levantar o olhar, eu vejo um ser alado. Acabara de pousar e recolher as asas e ainda as ajeitava quando eu o vi.

Lindo! Estupendo! Normal e natural como convém a um anjo de verdade que acaba de recolher as asas. Peitoral forte, aberto, enorme como convém a um anjo.

Costas largas, muito largas como convém a um homem.

Fiquei do meu tamanho exato como convém a uma criatura que se lhe é dada a oportunidade de ver um anjo.

Rosto de anjo. Pele de anjo, belíssimo e com serena luz verde. Provavelmente tenha sido pintado por Michelangelo.

Maxilar quadrado como convém a qualquer virilidade. Barba cerrada, muito cerrada, por fazer há dois dias terrenos – talvez já estivesse na Terra há dois dias e só tenha usado as asas para voar de Piri até lá, quem saberia?

Olhos de um verde água insustentável e que, como explicar, o que seriam dois olhos doadores? Olhos que não apenas olham e vêem. Doam também. Doam verdes para a alma que miram.

Perfil de cabeça altaneira, grande, encimada por umas volutas doces de cabelos na cor da terra fresca e que se derramavam discretamente sobre uma testa imponente como uma parede, que começava fina e resoluta em cima do nariz e se ampliava para cima e para os lados como um elmo de guerreiro, protegido e protetor.

Anjo homem com a boca mais sinuosa que o mais destemido e encorajado diabo jamais conseguiu desenhar. Boca de alma. Boca de internos... que quando se abre em sorrisos, devora todos os pecados que alguém ouse ter em fantasias com ela e assim mesmo, mastiga os pecados com a puerilidade dos que são. A puerilidade que somente a Verdade é capaz de ter. O homem-anjo-diabo, enquanto mora na Terra, é yogue e estuda o Vedanta e, quando eu disse a ele que cultuo Kali e que, como todo mundo, também cultuo Ganesh e Lakshmi , sentado ao meu lado, tomando o mesmo caldo de abóbora me pergunta, candidamente – eu digo candidamente, Senhores, e não sei se estou sendo completo nessa expressão, mas me falta palavra mais capacitada – será que todo mundo cultua mesmo Lakshmi, porque Lakshmi é doação e ninguém está muito preocupado em doar...

Deusa! Um anjo também faz as mesmas perguntas que eu faço!

E, na mais ingênua, sincera e despojada humildade ele me diz que sabe pouco, muito pouco sobre kali porque ele estuda o Vedanta e o Vedanta tem dois caminhos, o conhecimento das deidades e o autoconhecimento e ele preferira o segundo caminho!

Outra vez a minha alma se alarga, se aloja em si mesma e se projeta enorme: que sentido há em conhecer a deidade, qualquer que seja, antes de conhecer a si mesmo?

Senti que era hora de perdoar. Perdoar e compreender a multitude de oportunidades que ambos os caminhos dão e que, na escolha de um ou de outro, o que importa é a escolha que eu faço. Mais uma vez me contemplei com a certeza de que não estou tomado pela insanidade.

Lua cheia no céu. Lua de Maio. Uma fogueira e o céu.

O anjo tira, reverente, um harmônio hindu da caixa, fecha os olhos e sua potente mão começa a inflar o fole e, no silêncio da noite que se fez eterna em um momento, entoa o Gayatri Mantra...

E a voz que entoava não saía da sua boca para os céus...ela vinha dos céus e se alojava na sua boca...

Fechei os olhos, olhei para mim, olhei para a estante onde guardo os meus sentimentos, mirei uns, saquei-os e os inflei; aqueles do perdão e da compreensão.

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