domingo, 25 de abril de 2010

Paz na Terra aos homens de boa vontade...


Ele escrevia. Ele falava muito também. Pensava mais ainda e se satisfazia com algumas respostas que dava a si mesmo. Ficava contente. Achava sempre uma que se diferenciava da mente ordinária e se regalava com isso. Achava partículas de verdade e registrava em seus escritos.

Era bruto. Diamante limpíssimo em estado muito bruto. Saído há pouco do barranco do rio e levado a vau, pela correnteza da Vida a rincões ordinários, comuns, de rasuras onde o seu brilho ofuscava e, de forma bruta, ameaçava a constância dos comuns.

Era homem de finezas inimagináveis e doçuras nas pontas dos dedos. Encantos que escolhia a quem oferecer e a quem negar.

Era homem de brutezas. Homem de rudezas capazes de torcer o aço e fazer sair o sangue das lágrimas de quem escolhia estar com ele nos caminhos. Afins e desafetos, poupava a nenhum

Homem de fé em si e descrença nos de fé definida. Nos de fé nas fés dos outros e que se faziam defensores e guardiões das leis alheias. Vertia ódio irascível a esses que se oferecem em sacrifício ao nada ou ao pouco.

Era homem de vultosa candeia.

Nos rincões onde viveu, atormentou e assustou todas as criaturas ribeirinhas, que dormiram sob a sombra dos juncos e sob a impávida aquiescência a tudo.

Os complacentes com as pequenas verdades; os que se alimentam com o parco; os que se enganam para se pensarem maiores, esses foram seu labor. Despia-se e entornava neles seu caldo de repugnância. Seu vômito, nauseabundo.

Um dia o Delegado chamou o soldado; juntaram-se ao Juiz, sentaram-se com o Pároco e conversaram delongado tempo. Dias inteiros lendo as suas bíblias, comendo suas misérias e guardando as sobras nos seus ânus e lambendo os dedos e, finalmente proclamaram suas sentenças que esse homem deve ser levado ao patíbulo dos crimes desassombrados.

E o homem foi severamente espancado pelo Juiz, que foi seguido pelo Pároco, que sucedeu o Delegado e que entregou as carnes do homem para o soldado, que o pregou no poste e chamou o cachorro para lamber-lhe as feridas e alimentar-se do seu sangue.

Depois, um pouco mais tarde, o Pároco chamou o Juiz, que chamou o Delegado, que chamou o soldado e foram beber vinho na Sacristia. E todos continuaram dizendo glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens de boa vontade... com as leis.

Há de chegar o tempo e a hora de se afixar a tábua que encima o poste: O patíbulo dos que arriscam. O cadafalso dos que têm coragem de procurar o íntimo de si mesmos à revelia de qualquer lei. O patíbulo que castiga a improbidade de ser o que não é permitido ser. O patíbulo da Verdade.

(você já tinha falado isso, não é mesmo, Hilda? E de modo tão poético na sua dureza de fazer poesia... há tanto tempo. Mas o Pároco, o Juiz, o Delegado e o soldado ainda continuam, lá na Sacristia, bebendo, depois de terem sacrificado você também!)

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