domingo, 4 de abril de 2010

Quando o guerreiro é o profeta e o profeta, guerreiro


Estou em plena batalha. Meu exército, derruído, cansado, desfalcado pois que tantos já morreram ou abandonaram as lides e eu vislumbrando em mim uns laivos de desistência, de arrefecimento; fundo em chagas, sangue nas vestes – o meu e dos meus parentes de sangue – meu arco com tira bambeada e minhas flechas enfraquecidas... embora meu olhar certeiro continue e me olhar, para mim mesmo, com o mesmo tom de certeza, ordenando não poder arrefeçar...

Olho magoado e duro para o Cocheiro e ainda arregimento primores da minha honra:

- Mestre, afasta de mim esse cálice...

O Cocheiro estanca os cavalos, de súbito... olha com tintas de repulsa o horizonte e se vira. As quatro rédeas da sua mão se soltam e soltam os cavalos, que não se soltam, em honra de sua honra guerreira.

Olha os meus olhos como águia e rapina em mesmo tempo e força:

- Levanta-te e luta.

Minha honra guerreira me espreita, ainda que eu chore, implorante ignóbil e vil diante dos meus medos- eu não posso matar os meus irmãos! No surdo da guerra, meu irmão ferido me olha, sob a minha clava, à frente da morte, na esteira do chão e me estende uma tímida mão de clemência. O direito e o dever de matá-lo estão na minha mão clavada. O Todo em mim me faculta e me ordena. Mas o meu temor me retrai e me repulsa.

- Libera-me da lida – implora a minha angústia - não intento beber o sangue do meu irmão...

Seco, duro e já enfastiado, o Cocheiro me lança, pela última vez antes que me permita o não cumprimento do dharma:


- Tu não matarás ninguém, pois o espírito não morre, não se machuca e nem se molha. E diz ainda: aquele que acha que mata ou que morre é um idiota, pois que nada e ninguém morre ou mata.


E ultima sem piedade:

- Tu és guerreiro. O guerreiro há de lutar para matar. Se isso ele não faz, cai em desonra perante o Espírito.

Nenhum comentário:

Postar um comentário