domingo, 5 de setembro de 2010

de sangue, iniciações e enganos... Parte 2

Cheguei ao Pronto Socorro de ambulância após ter passado por uma triagem médica que autoriza ou não o transporte pela ambulância e lá, na sala de recepção do Pronto Socorro há três enormes cartazes que indicam a prioridade no atendimento e que pacientes chegados em ambulância terão prioridade porque “correm perigo de vida”... eu acho que ninguém daquele hospital leu ou viu esses cartazes além do pessoal da programação visual. Mas tudo bem. Coisas da indústria da doença.

Na sala de espera havia apenas um casal com uma criança de dois anos, talvez, adormecida. Assim, mesmo assim, tecnicamente priorizado para atendimento urgente, eu esperei uma hora e meia para ser atendido... visitei o sanitário umas oito vezes, provavelmente e muito sangue ficava no vaso.

Fui chamado para a consulta e, perdoem-me o preconceito, mas o médico que me atendeu me lembrou aquela piadinha antiga do doido que ocupou o lugar do médico enquanto esse almoçava e atendeu a uma paciente que dizia ter dor na barriga e a recomendação dele foi que girasse a mão direita diversas vezes em torno do umbigo, no sentido horário. A paciente lhe perguntou por que não poderia ser no sentido contrário, ao que ele, peremptório, respondeu: Não pode porque se não, desatarraxa o umbigo e a bunda cai!

Eu relatei rapidamente ao médico toda a minha experiência com esses episódios de sangramento, focando-me nos dados que interessam para que fosse certeira à informação mais apropriada: sou cirrótico, portador de hepatite B, esplenomegalia, calibre diminuído da veia porta, grossas varizes de 9mm no esôfago e estômago. Necessito transfundir, se o hemograma confirmar anemia grave...

Ele pediu-me que me deitasse na maca e mediu minha pressão – estava alta, ao contrário do que deveria ser... (já houve um médico em Brasília e seu antigo professor do tempo da Faculdade de Medicina da Praia Vermelha, no Rio, que me disseram que eu procurasse “um centro de macumba porreta por que o meu caso a medicina adora, por que não compreende”) – e creiam-me, ele foi para o computador e me pareceu – claro que eu já estava bastante obnubilado e posso ter me enganado, mas me pareceu durante todo o tempo grande que ficou à mesa, estar fazendo consultas para saber como deveria proceder... dei ordem de saída a essa impressão e cochilei.

Mandou-me para o posto de enfermagem onde me dispuseram em uma maca e junto o indefectível soro fisiológico. Lembrei-me de avisar a auxiliar de enfermagem que falasse ao médico que eu faço ascite muito rapidamente e era preciso que ele controlasse a aplicação. Ela me respondeu singela e confiante: Pode deixar, eu vou pôr pra correr bem devagarinho...

Mandei um “foda-se” mental e disse a mim mesmo, Mãe, perdoa-os porque eles não sabem o que fazem e virei-me para dormir.

Por volta de uma hora depois vem um auxiliar de enfermagem, negro, muito alto, muito magro, bonito, com cara de gente boa, daquelas figuras quase invisíveis, mas que parecem ser onipresentes... não sei por quê tive essa impressão sobre ele. Chegou com uma cadeira de rodas e levou-me através do labirinto de Creta à sala de ecografia.

O médico que faria o exame referido, muito jovem, perguntou-me a minha queixa, ao que respondi, sonolento, hemorragia em varizes esofagianas... ele me olhou, olhou para a requisição do médico clínico e me perguntou porque ele, o clínico, havia pedido aquele exame se a ecografia não pode detectar hemorragia.

- O Sr pergunta para mim, Doutor? Eu sou só paciente.

- É porque não estou conseguindo ler o que ele escreveu aqui embaixo... não entendo a letra dele.

Pensem, Senhores!

A ecografia foi feita. E o convênio paga, não é?

No outro dia, o médico que chegou para o novo plantão, às 13 horas, me disse que o anterior deveria ter se enganado, que na verdade ele desejava uma endoscopia!

E mais, só às 10 h da manhã foi colhido material para fazer o hemograma. Até então ninguém havia se preocupado na única coisa que deveria ter sido feita imediatamente: avaliar a anemia para indicar a necessidade ou não de transfusão.

Puts, desculpem-me, mas isto está parecendo relato de hipondríaco compulsivo... já está me dando no saco. Vou ser mais breve.

Fui à minha médica particular, na terça feira – sangrava desde sexta - que me acompanha há mais de 3 anos e ela me fez a endoscopia e comprovou que o sangramento não estava na parte superior do abdômen. Deveria estar acontecendo no intestino.

Providenciou imediatamente uma consulta, na mesma hora, com seu colega proctologista que, a olho nu, viu o sangramento que eu já não mais conseguia segurar (juro que pensei usar um tampax!).

Ele, muito atencioso, solicitou um exame que eu não conhecia, que é uma coisa como endoscopia do intestino, para o dia seguinte e orientou-me para um preparo. Deu-me um cartão com seu fone móvel e me disse, com olhar contundente que, qualquer coisa, ligasse para ele,

Deixa estar que antes disso, a minha médica solicitara um novo hemograma e mais aquelas coisas todas que eu não sei e nada me preocupo em saber. E que fosse em caráter de urgência para confirmar ou não a transfusão. Eu só poderia fazer estes exames naquele hospital onde estivera na madrugada de sábado, porque é um dos dois únicos que aceitam o meu convênio.

Nesse meio de tempo, entornava comprimidos e laxantes que o proctologista me indicara. Pensem mais um pouco: a pessoa está sangrando no intestino há cinco dias e toma laxantes fortíssimos para fazer a limpeza do cólon! Se eu não conseguia segurar o sangue, imaginem agora a festa que não foi! Que falta me estava fazendo um daqueles modess antigos, enormes que as mulheres usavam! Pensei no fraldão geriátrico. Não! Isso ainda não! É mais constrangedor, na minha cabeça, do que um bom absorvente.

Mas como manda a prática médica da indústria e do comércio de doenças, o relatório da minha médica particular não foi levado em consideração e obrigado eu era a consultar-me com a plantonista do momento, naquele mesmo hospital. Menina nova, bonita, voz suave. Casada. 30 anos seria muito.

Ela me olhou e me informou que o resultado obtido não indicava anemia importante (gostei disso, desse modo positivo para se referir a coisa negativa), mas que ela iria me internar porque eu necessitava de observação.

Informei a ela que de lá a pouco mais de duas horas eu estaria sendo submetido àquela coisa que, no momento, eu já conhecia o nome: videocolonoscopia! (Que pompa, não?)

Ela pediu licença e saiu. Voltou minutos depois relatando uma conversa que tivera com o gastro de plantão e que ele recomendava imediatamente a suspensão do exame, que era absolutamente contraindicado naquele momento.

Liguei para o telefone do proctologista atencioso que me dissera que o chamasse em caso de necessidade, para saber o que fazer: se me internar e não fazer o exame ou fazer o exame e não me internar.

Diversas vezes o telefone era atendido e imediatamente desligado. Liguei para a minha médica. Não atendeu nenhuma vez.

De súbito, a luz: que vão todos vocês passear no parque porque eu vou para a minha casa.

A médica de voz suave me admoestou: Mas o senhor tem que cuidar da sua saúde... Eu respondi, é isso mesmo que estou fazendo, Doutora. Correr dos médicos é o maior cuidado que posso ter com ela.

Ela me olhou ainda e tentou ser mais efetiva: O senhor precisa ficar aqui em observação!

Eu devolvi o olhar com o desdém dos que sabem e não ocultam

- Dra, eu estive em observação. Aqui. Neste hospital e a única coisa que fizeram foi não me observar e recomendar um exame errado porque o observador não sabia bem o que fazer!

Ela ainda tentou: o Senhor pode ter uma hipotensão e aí vai ser pior.

Respondi fingindo uma amargura absolutamente apropriada.

- Dra, todos vamos morrer. O fim vem com ou sem a nossa aprovação e entre morrer de hemorragia ou de raiva de médico, eu prefiro, seguramente, morrer de hemorragia! E saí. Fui para a Vida que queria se instalar em mim

Menos de 6 horas depois de eu ter, mais uma vez, todas essas comprovações de que meu caso não é pra medicina e sim para o espírito, a hemorragia estancou. Já são mais de 24 horas do estancamento e hoje acordei cheio de Vida. O sangue jovem, recém nascido, adentrou-se por todas as minhas veias e por todas as vias do meu espírito.

Novamente iniciado.

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