domingo, 5 de setembro de 2010

de sangue, iniciações e enganos... Parte 1


Ser linha descendente do sangue dos meus avós e dos meus antigos é salvaguarda para minhas iniciações. Ter o ranço antigo dos sangues antigos dos avós é opção de nunca poder ser iniciado. É uma questão de opção.

O sangue antigo mofa. Raleia. Empobrece. Entorpece e intoxica qualquer juventude. Talvez por isso os antigos faziam sangrias nos doentes.

Outra vez meu sangue foi novamente renovado. Perdeu-se quase todo e, de modo diferente das outras vezes, não foi expelido pela boca e sim pelo ânus. Sangue vivo, pulsante.

Os meus queridos, o meu filho, a Norma e a Amanda se desesperam comigo e se preocupam com o meu descaso com os jorros de sangue que se me saem e eu, impávido, tento fazê-los crer na Iniciação real, aquela pelo sangue. Eu os compreendo na sua incredulidade nas coisas da fé e da magia e na crença na presença médica. Por isso vou aos médicos a cada vez. Por eles e nunca por mim. E quando eu consigo comprovar mentalmente para mim e arregimento argumentos contundentes contra a medicina ordinária, então se me dá um novo alento, uma nova jovem força e me torno cada vez mais descomunal. São poucas horas para que se estanque abruptamente a sangria e minhas veias se encham de fortes bravuras.

Foi igual dessa vez.

Madrugada, eu trabalhando e aquela vontade de arrotar quando não há gases para arrotar. É o primeiro sinal inequívoco que vou sangrar.

Deitei-me e ainda consegui dormir uma meia hora, quando acordo e me dirijo direto ao banheiro, no box, enfio a mão inteira na garganta (não, não pensem que é isso que rasga a dita e por isso sangro!) e vem a golfada pequena, a primeira. Aguardo a segunda bem maior e logo depois a terceira que cobre todo o chão e as paredes ladrilhadas de um vermelho vivo, assustador... sempre tenho a impressão que muitas vozes saem desse sangue, tentando se agarrar ao meu de dentro. Se não vem a quarta golfada, posso voltar a dormir porque tudo já se concretizou e eu fui novamente iniciado.

Na penúltima vez vieram a quarta, a quinta e tantas até ao desmaio, já no Hospital, onde me levam com urgência para a UTI. Sexta feira foi diferente. Uma única e pequena golfada.

Para não acordar o meu filho que estava imobilizado por um torcicolo e nada poderia fazer por mim a não ser se abalar sobremaneira, resolvi pedir socorro ao SAMU. Incrível, em apenas seis minutos estavam aqui. Gentis, aparelhados, prestimosos e eficientes. Mas antes disso, pela primeira vez senti uma cólica forte e deixei-me sentar no vaso onde mais de um litro de sangue vivo foi derramado. O mal estar passou e eu sabia que já tinha sido iniciado.

Mas – sempre o mas – o receio de vir a criar problemas para os meus queridos que, fatalmente, vão se culpar de alguma forma – por mais que eu ache isso descabido, não depende de mim, é deles! – fui para o Pronto Socorro. (não vou dizer qual porque acabo de saber que se pode falar, fazer e maldizer qualquer um ou qualquer coisa, desde que você não assine o que fez, falou ou maldisse.)

A saga continua, Senhores. Não acabou. Se alguns dos senhores quiserem saber o desenrolar, o post anterior conta algumas peripécias médicas. Algumas risíveis. Outras assustadoras.

Eu vou me sentir honrado com a sua leitura, mas antes que você decida se vai continuar ou não, diga-me se estou mais louco ainda ou se tenho razão: já atentaram para o fato que os médicos passam dez ou mais anos de sua vida acadêmica estudando doenças e nunca a saúde?

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