segunda-feira, 5 de julho de 2010

Idéias se confrontam ou se agregam e se amalgamam?


Causa-me um significativo espanto o fato de existir hoje, na nossa sociedade moderna, uma necessidade premente – não sei se aprendida, adquirida ou essencial – de não acumular e sobrepor conhecimentos filosóficos e religiosos – do pensamento e da alma, embora nos técnicos aconteça exatamente o contrário. São cumulativos e diligentemente sobrepostos. Um se sobrepõe ao outro que se sobrepõe a um terceiro e toda a tecnologia se encaminha para um otimum de aperfeiçoamento.

No que se refere ao espírito e ao pensamento, não! Rivalizam-se e se opõem. Sempre contrários uns aos outros como dissidências necessárias e úteis.

No sentido religioso, por exemplo, o que cada mestre ou sábio da humanidade disse, a cada tempo, no seu tempo, é determinado, pelo homem, como definitivo e imutável. E, por conseguinte, as práticas religiosas devem ser da mesma forma, pois que se do contrário, passam a ser heresia e dissidência.

O que disse Buda é eternamente considerado como sempiterno e acabado em si mesmo. O que disse Jesus Cristo, 500 e poucos anos depois, queda da mesma maneira e deve ser tratado pelos seguidores dele como também sempiternos e estanques. Assim, os budistas executam suas práticas à mesma maneira que as teria praticado Buda, diferente do que praticou e pregou Jesus Cristo e não uma sendo decorrência e complemento da outra. Os cristãos entendem que os budistas não serão salvos e não receberão o seu galardão nos céus. Os budistas se entendem e se afirmam iluminados pela grande luz e os cristãos como sencientes. Os cristãos católicos entendem os cristãos ortodoxos ou os evangélicos como mal doutrinados e vice e versa e todos apontam os pagãos como hereges.

Na filosofia, onde incluo todos os saberes do pensamento, a coisa é igual.

Notável é que no mundo antigo ocidental as filosofias se encaixavam e se ampliavam e, por sua vez, ampliavam o conhecimento geral. Não ocorriam afrontamentos entre elas. Não se provocavam umas às outras e não se recolhiam em si mesmas. Isto é, não eram estanques e não estancadas por imposição ou doutrinamento; nem dos seus formuladores, nem de seus seguidores e praticantes. Esse encadeamento de saberes deve ter sido, verdadeiramente, profícuo, pois influenciou o saber ocidental até o final da Idade Média.

Já no mundo moderno temos exemplos contundentes da necessidade do formulador de uma idéia e de seus seguidores de manter a “pureza”, a não maculação dessa idéia. Como se idéia fosse algo bastante, começando e terminando em si mesma.

Cito, por exemplo, a psicanálise. Houve um momento que idéias novas brotaram do nada; poder-se-ia dizer, que forçaram a sua “reunião” em uma única corrente. A esse “brotamento” de idéias em diversos lugares, ao mesmo tempo, deu-se o nome de “inconsciente coletivo” e que outros chamam de akasha.

Logo após as experiências intuitivas de Freud sobre a prática clínica em psicoterapia, Jung dava notícias de coisas absolutamente parecidas – o que fez com que os dois se aproximassem de maneira intensa e que, ao mesmo tempo, os separou definitivamente. Fizeram-se dissidentes em uma mesma idéia, de um mesmo registro akashico. Opuseram-se os homens, as teorias, as idéias e as práticas. E hoje ainda se perpetuam freudianos ortodoxos fundamentalistas e, nessa atitude, recusam-se a admitir as práticas ou a teoria junguiana e outras.

Os procedimentos clínicos sugeridos por Freud foram e são, incontestavelmente, importantes fundamentos para a compreensão da psique humana e que, num olhar mais abrangente, agregam-se aos fundamentos práticos de Jung que deu para o ocidente milhares de informações e registros míticos, místicos, sagrados, herméticos, cultuais e que, pela primeira vez tornou exotérico o que era esotérico. E foi, para ele, importantíssima a influência de Heinrich Zimmer que trouxe, pela primeira vez para o ocidente os mitos orientais, especialmente os hindus. Em resumo, Jung juntou, agregou e condensou conhecimentos mais antigos às suas descobertas e reflexões, SOBREPONDO-os. Empilhando-os, um em cima do outro. Eu entendo que teria sido uma atitude consciente já que ele vinha de escolas de hermetismo e ocultismo. Por isso, entendia como os antigos, que a construção do ideário humano tem que se proibir de cair na Torre de Babel.

Mais tarde aparece Lacan com sua crítica aos embandeirados freudianos, apontando que eles estariam “distorcendo” a teoria fundamental e por isso era preciso voltar à fonte primitiva. Ampara-se em Lévi-Strauss e monta a sua própria teoria e práticas referentes. Nada muito anormal porque se nota, aqui, que ele ainda pratica a reunião de conhecimentos, embora escorregando pela condenação dos freudianos como maculadores da fonte mestra. Cai na confrontação com os praticantes daquelas idéias.

Óbvio que, com isso, se dá início a aparição de “ortodoxos” de todas as naturezas: os freudianos; os neo-freudianos; os lacanianos, os neo-lacanianos, os junguianos e os que são ortodoxos sem ortodoxia e seus flagelos decorrentes. Cada indivíduo passa a ser reservatório único e estanque de cada “mestre” – mesmo que não haja mestre algum – e, por si, dá início a todas e inimagináveis posturas práticas individuais.

Seria muito fantasioso entender o aditamento de idéias, formulações e práticas como uma escada que acrescenta degraus a si mesma indefinidamente e, portanto, fundamental? E que cada degrau não se opõe a nenhum degrau da mesma escada e que juntos levam a patamares cada vez mais altos? E mais ainda que, ao contrário, a oposição leva pra comprimentos também maiores, embora sempre na horizontal?

Deus e Diabo são um e só. O homem que os predispõe opostos. E eu temo que cada ser entenda a “sua” idéia como a de Deus e a de outrem sempre como a do Diabo!

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