quarta-feira, 7 de julho de 2010

os assaltos dos mortos


Estou aqui e me assaltam loucas, longas memórias. Lembranças antigas do antigo meu. Do meu mais passado. Das minhas investidas em direção à vida e dos meus fracassos.

Saudades de gentes que já se foram. Já morreram nas ondas. Gentes que foram os sóis, as estrelas e os meus nortes e hoje são apenas o sul das lembranças, mas que me assaltam de pronto como coisas que se empenham em muito me assustar. Saltam dos lugares todos dos móveis da minha memória, do que fica guardado. Das gavetas que não abro e agora se abrem sozinhas como vidas que se me cobram e exigem suas pagas.

Os todos. Os mortos. Os ainda vivos que se escondem dos meus olhos e se me aparecem no momento seguinte em que os fecho. Olhos fechados e os mortos se insurgem dos seus túmulos e saltam de trás de cada volume, cada pilastra, cada lápide que instalei – ontem seguro que eram seguros – e me lançam suas presenças. Passam, correm, escuras, vultos sombrosos e se vão – não antes de me criarem um espanto e me fazerem crer que nada meu está lá e sim vivo e presente nos seus silêncios.

Silêncio gritador. Troante... e há os que dizem que com o tempo tudo se vai...

Como o tempo tudo sai dos meus olhos, dos meus braços, dos meus lábios e vai para umas plagas que existem dentro de mim e cada vez fica tudo mais eterno e eu sou o único incapaz de tirar, expulsar, fazer este tudo sair de lá. Lá onde as lembranças têm vida própria e se regozijam em aparecer em assaltos e me dominar

Há um momento, na hora de ficar velho, que a cada dia não mais se percebe o mundo visível. Os olhos embaçam a cada dia mais e os ouvidos ficam mais moucos a cada dia; a fala se esquece do que desejava falar e os olhos olham para dentro, os olhos se viram para dentro e os ouvidos passam a ver e ouvir somente o que está lá, naquele lugar de sombras e lembranças... e o coração dói, porque não envelhece.

2 comentários:

  1. tou constatando que você é uma romântica! e os românticos sofrem coisas que, muitas vezes passam despercebidas para a gente comum...né, menina do coração encantado?

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