sábado, 27 de março de 2010

Por que perguntar, se o arroz basta?


Por que razões estou eu preocupado com a possibilidade de as pessoas obterem mais amplidão nas suas expectativas de prazer e, por conseguinte, livrarem-se do fardo do ramerrame e da lida diária dos pequenos fatos, se elas, as pessoas, estão preocupadas somente com o seu ramerrame diário e pequeno da providência cotidiana do arroz, feijão e mistura para o almoço e jantar?

Por que, estou me perguntando hoje, imaginar que todas as pessoas, ao tomarem conhecimento verdadeiro da sua atribuição divina, experimentarão provas de prazeres e delícias de ser e estar em prontidão para a felicidade?

Por que, refletir que a profundeza dos infernos e as alturas dos céus permitem uma gama infinita de experiências, entre um e outro, que facultam ao homem a capacidade de decidir e dirigir as suas ações para a completude do deus encarnado, se as pessoas se importam muito mais com o ramerrão dos pequenos infortúnios, das pequenas mazelas e mesmos males que os encolhem diante do Divino, mas os torna diferenciados diante dos homens?

Para quê pensar na imensidão, se o que importa é apenas o almoço do dia e estar capaz de cumprir o turno diário de seus pequenos trabalhos e, à noite, assistir à novela antes de deitar e dormir?

Qual a motivação de refletir sobre preconceito e seus antídotos; sexualidade e a desnecessidade de velá-la sob qualquer véu; das sistemáticas e suas transgressões, se o que importa é manter tudo como está, porque refletir desqualifica qualquer possibilidade de manter tudo como está?

Estou mesmo inclinado a pensar, hoje, que quanto mais rasteira a necessidade, menos trabalho e esforço e, portanto, menos comprometimento da alma e do espírito.

Para quê perguntar coisas além do mínimo para a sobrevivência se os seres sobrevivem com parcas rações diárias de comida, excreção e sono?

Para quê locomover o espírito vagante entre a multitude pessoal e as possibilidades decorrentes de conhecimento de todos os nossos aspectos de luz, sombra, meia-sombra, sombra projetada, cinzas, vermelhos, azuis e a miríade de fosfenas que decorrem, se nada disso faz sentido na providência do cotidiano de arrozes, feijões, legumes, cocô e sono?

As pessoas devem mesmo estar certas. Comida, cocô e sono bastam para a sobrevivência. Realmente não se faz vital nada mais do que isso. Um dia, às vezes, uma leitura de um texto qualquer... mesmo que a esse texto qualquer não lhe seja permitido nenhum acesso ao espírito do ledor; uma assistidela a um seriado americano e algumas doses de frases feitas por outrem e repetidas, à exaustão, pelo indivíduo são o suficiente mais do que necessário para fazer crer que esse ser já atingiu o grau de bacharel e lhe faculte ministrar ensinamentos e sistemas.

Assustam-me, esses seres, porque são pacificados em si mesmos... e eu, que não me ocupo com o meu arroz e feijão porque sei que “não me preocupe com o dia de amanhã e a cada dia basta o seu próprio cuidar” tenho intensas fomes e profundas sedes de outros arrozes e de muitos e bastante diferenciados feijões. Sou abatido por uma permanência de buscas.

Assustam-me também os seres que, imediato depois dos seus cocôs e suas punhetas, imergem em livros de sabedoria, livros mil, livros às tontas, livros às mancheias, olham a vida com olhar perdido e sem a mais pequena coragem de se fazerem perguntas... qualquer pergunta e, momento seguinte, dão aulas graves e sisudas.

Não posso, Senhores. Não posso parar de perguntar. “Vou continuar perguntando, mesmo sabendo que não vou ouvir respostas“ (Hilda Hilst).

Posso, sim, parar de tentar ser compreendido na minha intenção de facilitar as possibilidades de auto-re-conquista e autoapropriação, mas parar de perguntar? Nunca.

Não oportunizarei mais ouvir o conselho que eu me candidate à presidência da república para realizar o meu trígono sol na 1, Plutão na 5 e Marte na 9!

Eu calarei as minhas falas para que as minhas falas não faladas, calem mais fundo nos espíritos que assim o quiserem

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